sábado, 25 de agosto de 2012

Normas tributárias e a nova contabilidade


Por Jimir Doniak Jr

A contabilidade no Brasil passa por profunda modificação desde a Lei nº 11.638, de 2007, consistente em adotar as normas internacionais (IFRS). O intuito é gerar demonstrações financeiras adequadas à substância econômica da sociedade, além de permitir a comparabilidade entre empresas de diferentes países. Já na esfera fiscal, foi criado o Regime Tributário de Transição (RTT), de modo a evitar efeitos fiscais derivados do novo tratamento contábil. Não se trata de solução definitiva e a persistência dessa situação transitória por vários anos gera custos para as empresas, as quais têm mantido apurações paralelas (contábil e fiscal), sem saber o que ocorrerá no futuro.

Este é o cenário atual, no qual se discute qual deve ser o tratamento tributário definitivo frente à nova contabilidade. No passado, as demonstrações financeiras eram tidas como base segura para possibilitar a apuração de diversos tributos. Desse modo, as esferas contábil e fiscal tinham proximidade. Contudo, o rápido exame de características das normas derivadas das IFRS leva a questionamentos quanto ao limite de utilização da contabilidade como base para a apuração de tributos.

A nova contabilidade é calcada, fundamentalmente, na visão econômica dos fatos. Por exemplo, não se trata de registrá-los em função de sua natureza jurídica. Uma empresa pode ser a proprietária jurídica de certo bem, mas este não constar em seu balanço patrimonial. Inversamente, outro direito, distinto do de propriedade, talvez deva ser registrado no ativo da sociedade, se ele garantir os benefícios, riscos e controle desse bem.

Por se amparar nessa visão econômica, a contabilidade passa a ser dotada de maior dose de subjetividade e imprecisão. Daí a utilização de critérios como valor justo, valor em uso, "impairment" e outros.

A sistemática das normas contábeis internacionais, pautada mais em princípios do que em regras, reforça a subjetividade. Os princípios são menos determinados do que as regras. Desse modo, possibilitam maior atenção à situação individual, mas dificultam a padronização de tratamento.

Outro ponto a destacar é a visão mais prospectiva do novo sistema contábil. Não se deve mais entender as demonstrações financeiras como "retratos do passado". Elas devem prestar-se também a dar visão prospectiva da atividade empresarial sobre seu futuro.

Por fim, em uma sociedade em constante e rápida transformação, é inviável que as normas contábeis sejam submetidas ao lento processo de aprovação de leis pelo Poder Legislativo. Por isso, elas passaram a ser definidas por órgão técnico (Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC), sendo aprovadas pela CVM.

As normas contábeis internacionais reforçam a subjetividade

Feito esse panorama, retoma-se a dúvida quanto à utilização, na esfera tributária, das normas contábeis internacionais adotadas pelo Brasil. Por exemplo, seria inadmissível que normas contábeis não contidas em lei, mas meramente aprovadas por CPC e CVM, integrem a apuração da base de cálculo de tributos ou seria aceitável uma legalidade mitigada, em que a norma tributária limitar-se-ia a remeter aspectos essenciais da formação da base de cálculo às normas aprovadas por tais órgãos técnicos?

Outra questão: a apuração de resultados contábeis pautada pela mencionada visão prospectiva das demonstrações financeiras seria compatível com os parâmetros que pautam a tributação da renda e da receita? O IR tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda. Ou seja, mede-se a renda adquirida e para isso olha-se o passado, sem se importar com expectativas futuras.

Ainda mais: grande parte de todo o arcabouço jurídico-tributário (constitucional e legal) parte da necessidade de fornecer um elevado nível de segurança e certeza. Assim é não somente por interesse da sociedade, para proteção contra o Estado, mas por necessidade deste, o qual carece de normas objetivas e padronizadas que possibilitem a praticidade na arrecadação. Normas contábeis principiológicas e subjetivas atenderiam a esses anseios da atividade de tributação?

Finalmente, o tratamento definitivo dos eventuais efeitos tributários das normas contábeis internacionais não deve resultar em perda da garantia de demonstrações financeiras das empresas brasileiras mais confiáveis e sucetíveis de serem comparadas com empresas em diferentes países. Não é aceitável que a contabilidade volte a sofrer interferência de regras de conteúdo fiscal.

Perceptível a complexa atividade de compatibilizar as normas tributárias à contabilidade internacional. O desafio é comparável ao do momento de criação da Lei das S.A e do Decreto-lei nº 1.598, de 1977.

Há notícias de que o Poder Executivo estaria finalizando as normas que substituirão o RTT e que em breve deverá submeter ao Poder Legislativo uma medida provisória nesse sentido. Torcemos para que os últimos anos tenham sido suficientes para encontrar o melhor tratamento possível e que exista tempo e abertura no Poder Legislativo para que o trabalho do Executivo possa, se necessário, ser aperfeiçoado.

Jimir Doniak Jr é advogado em São Paulo e Brasília, sócio de Cais, Doniak, Rangel Ribeiro e Matta Nepomuceno Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações


Fonte: Valor Econômico

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Reembolso de despesas não pode ser tributado


Por Glaucio Pellegrino Grottoli


Com o aquecimento da atividade econômica internacional no Brasil, o reembolso de despesas é um tema que vem ganhando cada vez mais relevância, seja pelo desconhecimento da legislação tributária, seja pelo entendimento do fisco em querer tributar aquilo que não é receita, muito menos, prestação de serviço tributável.

O reembolso de despesas geralmente pode ocorrer de duas maneiras: (i) dentro de um mesmo grupo empresarial que, visando a redução dos custos administrativos internos,  resolve concentrar em apenas uma das empresas, as áreas de apoio administrativo como contabilidade, financeiro, jurídico, tecnologia dentre outros; ou (ii) quando uma empresa acaba assumindo a despesa de seu cliente e, posteriormente, reembolsa os valores (por exemplo: escritório de advocacia que paga as custas processuais e de correspondente do cliente e se ressarce, sozinho).

O reembolso das despesas é realizado via nota de débito entre as empresas e, por tratar-se de mero reembolso, não é classificado como receita tributável pelas empresas que recebem o reembolso. Tampouco o ISSQN é recolhido, visto que, apesar de haver a disponibilização de esforço humano, não há lucro na operação, ou seja, falta ao mesmo o signo presuntivo de riqueza capaz de gerar a tributação pelo ISSQN.

Da mesma forma deveria ocorrer com o PIS e Cofins. Apesar de a legislação prever que o PIS e a Cofins terá como base de cálculo o faturamento, entendido este como a totalidade das receitas independentemente da classificação contábil das mesmas, o reembolso, como dissemos acima, raramente é contabilizado como tal.

Porém, o fisco (municipal no caso do ISSQN e federal no caso do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins) por vezes exige a tributação de tais valores, em total afronta ao conceito de riqueza (conceito econômico).

O tema vem evoluindo na jurisprudência, inclusive administrativa, mas as autuações são frequentes e crescentes. Ou seja, cabe ao contribuinte provar que está apenas se ressarcindo dos custos e despesas de terceiros incorridos por ele.

E é muitas vezes nesta prova que reside a maioria das decisões contrárias às empresas. Isto porque, na maioria das vezes, a documentação não comprova que a despesa era, realmente, do terceiro. Ou em casos de empresas do mesmo grupo, o ressarcimento não guarda correlação lógica entre o que foi prestado e o que foi reembolsado.

Exemplo clássico é o reembolso de despesas de contabilidade, porém, tendo como critério o custo total do serviço dividido pelo faturamento de cada unidade empresarial.

Para se provar que o reembolso tem caráter de reembolso, deve haver a cobrança exata daquilo que foi gasto pela empresa. Quaisquer valores e/ou critérios estranhos à relação, certamente gerarão dúvidas no fiscal, acarretando a lavratura de Auto de Infração e Imposição de Multa preventivo.

Enfim, não basta que o reembolso não seja um fato econômico capaz de desencadear o nascimento da obrigação tributária e sim que o contribuinte se cerque de toda a documentação comprobatória de que o ressarcimento de determinada despesa foi feito, na estrita relação e valores que foram despendidos anteriormente, com a prova realizada e baseada em documentação, dificilmente a empresa será autuada.

Glaucio Pellegrino Grottoli é especialista em Direito Tributário do escritório Peixoto e Cury Advogados.

Revista Consultor Jurídico, 15 de agosto de 2012

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Lucros auferidos no exterior - Tratamento tributário inconstitucional



Os lucros auferidos no exterior pelas subsidiárias de multinacionais brasileiras, com a aprovação da Medida Provisória nº 2.158-35/01devem ser oferecidos à tributação pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, independentemente da sua distribuição aos sócios residentes no Brasil.

Tal exigência está sendo questionada, em face de flagrante inconstitucionalidade, posto que a tributação pela equivalência patrimonial não representa lucro propriamente dito, visto que pode ser influenciado pelo resultado com variação cambial.

Há precedentes do STJ - Superior Tribunal de Justiça se posicionando pela ilegalidade da tributação dos lucros auferidos no exterior, por meio da equivalência patrimonial, porque o art. 23 do Decreto-lei 1.598/77 e o art. 2º, § 1º, "c", da Lei 7.689/88 não permitem a tributação do IRPJ e da CSLL por meio de equivalência patrimonial, respectivamente.

Entretanto, essa matéria, foi submetida ao STF, em virtude da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.588-1/DF impetrada pela Confederação Nacional da Indústria, arrastando-se ali desde 2001.

O Ministro Marco Aurélio entende que a MP desrespeita o proibição da bitributação frente aos tratados internacionais assinados pelo Brasil, eis que as leis tributárias exigem que a renda ingresse no Brasil e aqui incidam os tributos; e ainda esclarece que há falta do requisito da urgência para a promulgação da medida provisória.

Dentre os pontos polêmicos há de se ressaltar a impossibilidade das empresas nacionais descontarem em seus balanços os prejuízos suportados em tais investimentos no exterior, já que seus lucros são tributados, à luz de decisão do STJ ao asseverar que as empresas brasileiras não podem se utilizar dos prejuízos fiscais de empresas controladas e coligadas no exterior para diminuir o Imposto de Renda (IR) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) a pagar.

Outro ponto crucial consiste na possibilidade de tributação antes mesmo da disponibilidade do lucro à empresa nacional. O Fisco poderá tributar o lucro logo no reconhecimento contábil pela empresa investidora, sem que haja distribuição de dividendos.

Também a doutrina se pronuncia sobre essa questão, a exemplo do expressado pelo Professor Sacha Calmon Navarro Coelho, a saber:

"A Medida Provisória 2.158-35/2001 contém sérios defeitos jurídicos, a saber: desconsidera a personalidade jurídica da controlada ou coligada no exterior e acresce ao fato gerador da coligada ou controlada no Brasil os lucros havidos no exterior tão logo erguido o balanço; infringe o artigo 146, II "a" da CF/88, e cria uma disponibilidade ficta, pois pretende tributar por ficção, retroativamente, parcela significativa dos contribuintes do imposto de renda; repristina o regime da Lei 9.249/95, claramente revogado, no particular pela lei 9.532/97; levando avante a inconstitucional delegação que lhe fez a Lei Complementar 104/2001, delega a competência invalidamente recebida ao regulamento, (...) o regulamento não podia dispor sobre base de cálculo e contribuintes do IR (CF, art. 146, III "a"); e fere o principio da irretroatividade das leis tributárias (artigo 150, III, "a" e "b", da CF/88)".

Assim, em face dessas incoerências apontadas, é possível o questionamento judicial referente à inconstitucionalidade da Medida Provisória 2.158-35/01 e da IN/SRF 213/02.



Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas, advogado especialista nas áreas comercial e tributária. Assessor Jurídico da ACMINAS - Assoc. Comercial de Minas.



Fonte: FISCOSOFT
Link: http://www.4mail.com.br/Artigo/Display/016270067032156